quinta-feira, 5 de julho de 2007

* Como se faz para que o amor não morra?


Era uma vez sempre a mesma menina que questionava o pai sem cessar.
— Diz-me, papá, podes explicar-me? O amor é o quê?
E ele continuava, enganava-se, retomava, tentava uma vez mais responder, esclarecer, apaziguar...
— Bem, o amor é um estado maravilhoso. Sabes, é algo ao mesmo tempo simples e complicado! É uma emoção formidável, preciosa e frágil. É como um tesouro fabuloso, uma riqueza rara em que toquei, por vezes, com a ponta do coração, dos olhos, dos dedos, mas à qual não tive realmente acesso. Este tesouro, sentia-o às vezes bem próximo, acessível, mas outras vezes sucedia que ele se ocultava, se escondia ou me escapava quando eu o quereria ter retido, guardado por muito tempo. Algumas vezes, é ele que me visita e então invade-me, habita-me, transborda por todo o lado.
— Não compreendo nada do que dizes, papá. O que é o amor na nossa vida?
— Bom, é também um sentimento. Mas um sentimento verdadeiro, que perdura, não apenas uma emoção nem o sentimento de um momento, uma paixoneta, um namorisco ou um entusiasmo que se contenta em passar. Quando tens este sentimento em ti, tens vontade de viver com toda a gana, sentes-te bem. Sim, quando gostas de alguém, o sinal que não te engana é que tens vontade de ser bom, de ser excepcional para com ele. Tens vontade de partilhar o melhor de ti... e, sobretudo, de inventar os meios de crescer na tua própria vida. E, aliás, encontras imensas ideias para tal quando amas e te sentes amado. Sentes-te feliz! Deves ter, por vezes, conhecido tais correntes, movimentos ou perturbações em ti, não?
— Sim, mas isso não dura e depois nunca corre bem. Eu gosto do António e ele gosta da Céline e eu não estou feliz. Afinal, o que é estar apaixonado? Sim, eu sei, já me falaste disso, mas era antes. Agora quero escutar mais um pouco!Desta vez não te pergunto o que é o amor mas como se pode reconhecer o bom amor?
— Penso que existem amores com origens bem diferentes. Às vezes, tomamos por amor formas de amar que são sucedâneos ou falsificações do amor: são amores que chamo de necessidade, idealizados, de carência. Amores que desembocam em formas possessivas, amores passionais que nos tornam loucos por vezes, amores de desejo que apenas se vivem na violência. E depois, há também amores que se sucedem em diferentes épocas da nossa vida, que mudam ou adormecem, e outros que são feridos ou se estragam...
— Então, quando o amor é ferido e desaparece, deve magoar muito, mesmo muito!
— Não é o amor que magoa nem o seu desaparecimento, mas o medo. Claro que há a ferida, o sofrimento, por vezes, o vexame, a tristeza, a pena de nos encontrarmos como nus e sós com as nossas feridas no tempo do desamor. Mas existe sobretudo o medo de já não sermos amados ou amáveis, de não valermos nada, de já não sermos reconhecidos, de ficarmos sós, de sermos abandonados, de já não sabermos amar...
— Tenho muitas vezes medos em mim. Quer isto dizer que o amor desapareceu?
— Tu e eu, como muitos outros, temos muitos medos, velhos como a humanidade. Os medos são antigos, mesmo ancestrais. Desde tempos imemoriais que estão habituados e sabem lidar com os homens e os seus filhos. Mas nós podemos aprender a não os deixar levar a melhor, a não os cultivar, a não os alimentar em nós...
— Isso não é verdade! Não se pode dar ordens aos medos, eu já tentei: eles ficam sempre lá ou então voltam sempre, mesmo quando finjo esquecê-los.
— É verdade que não se consegue esquecê-los. Estás a ver, eu, quanto aos medos, aquilo que me ajudou foi compreender que, por detrás de cada medo há um desejo. De cada vez que soube reconhecer o desejo que se escondia por detrás do meu medo, tornei-me mais desperto e por isso, menos fraco, menos bloqueado, menos paralisado face aos meus medos, menos à mercê deles ou por eles inferiorizado!
— Papá, como se faz então para que o amor não morra?
— Não sei. Isso, na verdade, não sei e, aliás, pergunto-me se há efectivamente uma solução, uma receita ou instruções! Confesso que há uma parte de mistério no amor, uma parte inatingível que se me escapa. A única explicação que posso dar-te, nesta altura, é que se o amor é algo de vivo é porque tem uma vida própria. O que caracteriza a vida é o facto de evoluir, mudar de qualidade, de sentido, o facto de se descobrir e de se mostrar renovada a cada instante. Penso que seria necessário aprender-se muito cedo – por que não na escola? – que o amor é algo de vivo, logo, perecível e imprevisível e deve ser amado, cuidado, para que viva o mais possível!
— Seria então preciso que nos ensinassem a amar!
— Sim, de certa forma, ensinar-nos também a gostar realmente de nós. Ensinar-nos as paisagens, as fontes, os rios, as colinas e os caminhos do amor para o outro. No meu caso, e na minha própria história, nunca encontrei ninguém que me ensinasse. Nunca ninguém pensou nisso: nem na escola, nem na minha família. Ninguém me ensinou a cuidar dos sentimentos que tinha. Deixaram-me acreditar, como a muitas crianças, que um amor era eterno, assim, por natureza... Que bastava amar e ser amado e tudo correria bem. Não aconteceu nada assim comigo... No entanto, acreditei nisso, mas as minhas certezas não foram suficientes. Caí em todas as armadilhas, em todos os erros, em todas as possíveis faltas de jeito.
— Tinhas assim tanta falta de jeito?
— Oh, mais do que podes imaginar! Desajeitado e ao mesmo tempo cheio de certezas erróneas.
— Queres dizer que acreditavas em coisas falsas? Como quando eu acreditava que o Pai Natal não podia existir porque descobri que eram vocês que compravam os presentes mas queria continuar a acreditar que ele viria, apesar de tudo, ajudar-vos a colocá-los na chaminé!
— Comecei a livrar-me das minhas certezas quando em vez de fazer a guerra ao outro, acusando-o de não me amar suficientemente ou de me amar demasiado, tomei consciência de que me competia cuidar do amor que tinha em mim pelo outro.
— E porque é que o amor deve fazer sofrer?
— Não nos faz sofrer sistematicamente, mas pode levar-nos a situações sem saída ou fazer-nos perder em labirintos. É que, muitas vezes, acreditamos possuir o amor e esquecemos que somos apenas os seus depositários, os receptáculos e também os emissores. Queremos captá-lo, retê-lo, guardá-lo, cativando-o ou controlando-o, e, sobretudo, queremos procurar reter ou guardar aquele ou aquela que nos dá o prazer de conhecer este estado amoroso. O amor é como uma bela flor, um pássaro, que queremos guardar num vaso, numa gaiola, que queremos cativar, domesticar ou domar. Os sofrimentos na relação amorosa são os gritos e as lágrimas do amor que grita por ser maltratado. É que é preciso muita liberdade, autonomia, independência, maturidade e responsabilidade para poder amar como o amor merece...

*

Assim terminou nesse dia esta partilha labiríntica sobre a dificuldade de dizer o que é o amor. Esgotado, sonhador, fiquei acordado uma grande parte da noite, pensando como no meu tempo, ou seja, no tempo da minha infância, tais partilhas teriam sido impossíveis, inimagináveis, fechadas para sempre nas crenças e certezas educativas dos meus pais que, censurando o facto de terem sido crianças, não se teriam, por um só instante, apercebido de que o meu irmão e eu poderíamos ter muito cedo perguntas sobre o amor...
Pensando de novo em todas estas nostalgias acumuladas em redor das minhas errâncias amorosas. Sonhando que o amor se assemelha a um bebé prematuro demasiado cedo lançado na vida. Cuidar do amor está longe de ser óbvio para muitos. Resta-nos então todo o tempo que quisermos para o maltratar!...

Uma janela sobre o amor

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