sábado, 28 de julho de 2007

Sexo nas escolas - Raquel Lito

Raquel Lito
In Sábado nº 155 – 19 Abril 2007

Excertos


O convite parte dela e não pode ser mais explícito: “Amor, vamos para a casa de banho?” Entusiasmado, o miúdo responde que sim, claro, e trancam-se nos sanitários da Escola António Arroio, em Lisboa, mesmo à frente da escadaria do segundo andar. Aí não há discriminação por sexos: tanto entram rapazes como raparigas (e às vezes esquecem-se de fechar a porta); as paredes estão cobertas de grafitis de cores garridas; e há mensagens de forte carga sexual. Também Sara deixa o seu contributo na parede. “Dei aqui uma queca três vezes”, escreve com uma esferográfica, depois da aventura sexual com o namorado, quando tinham ambos 16 anos. “É o sítio reservado onde podemos estar mais à vontade”, explica ela, habituada às brincadeiras proibidas na escola. Sem casa disponível, nem dinheiro para ir a uma pensão, Sara só via saída no liceu. “Sempre é gratuito”, ri-se. E se é certo que tinha receio de ser apanhada em flagrante, o desejo sobrepunha-se a tudo o resto. “Dava uma vontade... O medo deixava de ser importante.”
Sara corre riscos e tem noção do erro, mas também sabe que é difícil ser castigada. “Ninguém foi apanhado.” Percebe-se porquê: para 1300 alunos do liceu António Arroio, entre os 16 e os 21 anos, só há 20 vigilantes a funcionar por turnos – número reduzido para controlar o que se passa nas dez casas de banho, muitas delas em sítios desertos. “Isso exigia que os vigilantes estivessem em permanência nos sanitários, o que é impossível. Não temos recursos humanos suficientes”, diz à SÁBADO a vice-presidente do conselho directivo da escola, Benedita Salema, embora desconheça comportamentos sexuais no recinto. “Não há indícios de que isso tenha acontecido, nem recebemos queixas.”
As estatísticas contrariam a visão dos professores. Em média, 11 em cada 100 jovens portugueses entre os 16 e os 20 anos diz já ter praticado sexo na escola, alerta o Sex Survey 2005, promovido pela marca de preservativos Durex em 41 países. Portugal fica à frente da Finlândia, França, Alemanha, Grécia e Espanha, que apresentam uns tímidos 6 a 9% no que toca a este tipo de comportamentos. Outro número importante: 64% dos adolescentes iniciam a vida sexual aos 14 anos, segundo o estudo português Aventura Social & Saúde, da Faculdade de Motricidade Humana, terminado em Dezembro e que em breve será incluído nos relatórios da Organização Mundial de Saúde.

A banalização do assunto nos filmes e na Internet explica o sexo precoce, dizem os especialistas. Talvez por isso, casos como o de Sara deixem de ser excepção nas escolas. “É uma paródia. Eu aproveitava os furos para ter relações”, diz a aluna, agora com 21 anos. De todos os recantos da Secundária António Arroio – e são muitos, porque a área útil é de 10 mil metros quadrados –, elege apenas um para praticar sexo: a casa de banho mista do segundo piso. É curioso: todos os sanitários são mistos, por uma questão prática. “Como os WC estão distantes uns dos outros, os alunos vão às casas de banho mais próximas das aulas”, explica a responsável Benedita Salema. As que ficam ao fundo do corredor costumam ser frequentadas por casais entre os 16 e os 19 anos.
Só às 18h o ritmo abranda, quando as funcionárias fazem limpezas às casas de banho. “O facto de serem mistas facilita. Se os auxiliares virem um casal a entrar, não desconfiam”, diz outra aluna. Quando esta rapariga chegou à escola, entrou em choque com “a malta liberal”: ninguém reparava nas roupas e acariciavam-se no recreio. “Até disse ao meu pai: ‘Onde é que me fui meter?’”
Mesmo os mais tímidos agora já não se espantam com os gemidos suspeitos nos sanitários. Nas escadas que dão acesso aos balneários também se vêem cenas picantes. “Vi um casal a fazer sexo”, conta Sara.
A aluna encara tudo isto com leveza. Das quatro vezes que praticou sexo na casa de banho, nunca levantou suspeitas. E sobre a última experiência, em meados de 2005, tinha então 19 anos, não se recorda bem. Já via as coisas a dobrar, depois de se ter abastecido de cerveja no café da frente. “Estava um bocado tocada”, conta a aluna repetente. Ele também estava “alegre”. Saíram do esconderijo separados, mas Sara teve um percalço no corredor deserto: cruzou-se com um professor. “Perguntou-me o que andava ali a fazer na hora das aulas.” E ela limitou-se a dizer: “Nada, stôr.” Terminado o sexo sem preservativo, foram para as aulas.
Com a cerveja, Sara ficou mais desinibida. É típico da idade, como se pode perceber pelo último inquérito de sexualidade juvenil Aventura Social & Saúde. Cerca de 14% dos jovens portugueses sexualmente activos admitem ter consumido álcool e drogas nas relações sexuais (17,1% do sexo masculino; 10,4% do feminino). E a tendência é para subir: em 2002 a percentagem rondava os 12%.
Não se sabe se eles estavam bêbados, mas conseguiram escandalizar os colegas e a opinião pública. Quatro alunos entre os 11 e os 13 anos, de uma escola do Louisiana, nos Estados Unidos, tiveram relações na sala de aula, diante da turma, quando o professor se ausentou por 15 minutos. A notícia chegou aos jornais a 27 de Março. Um aluno contou a outro mais velho, este alertou a professora e abriu-se um inquérito disciplinar. Entretanto, os infractores aguardam julgamento no tribunal de menores. Insólito? Nem tanto. Num país onde 20% dos jovens americanos têm sexo na escola, haverá mais casos que nem são notícia.

Em Portugal, as cenas acontecem com alguma frequência e até há esquemas para evitar flagrantes. Aos 14 anos, uma ex-aluna da Escola EB 2+3 de Sobral de Monte Agraço, próximo de Lisboa, ia sendo apanhada “numa curte” mais ousada, pela empregada da limpeza, na casa de banho. “Se alguém entrava, um de nós colocava-se em cima da sanita. Assim, parecia que só uma pessoa estava no compartimento”, diz Inês, agora com 18 anos. Os encontros fortuitos eram marcados por telemóvel, via SMS, para as 17 h. E, claro, a adrenalina disparava. “Dava a sensação de perigo de sermos apanhados.”
Apesar da vigilância apertada e da boa fama da escola, os casais activos sexualmente – entre os 14 e os 17 anos – passavam despercebidos aos funcionários. Aos colegas não. “Ouvia gemidos e saía do WC para não incomodar”, revela Inês. As escapadelas são uma novidade para a presidente do conselho directivo do liceu de Sobral de Monte Agraço. “Nunca tive suspeitas, nem ouvi comentários”, comenta Maria loão Mexia. E alega que os 20 vigilantes fazem rondas pelas oito casas de banho sem horário pré-definido. Controlam 550 alunos de dia, 150 do turno da noite e nunca desconfiaram de sexo.

Em Sobral de Monte Agraço, eles é que tomavam a iniciativa, recorda Inês. Já noutra escola profissional, na zona oriental de Lisboa, são elas as mais espevitadas. “Come-me!”, desafiou por duas vezes uma aluna de 15 anos, perante um grupo de amigos. O colega, de 18, acatou a ordem: “É para já.”
Uma das amigas da adolescente atrevida encontra a explicação em casa. Diz que a culpa é da família: um pai autoritário e uma mãe chata só podiam dar nisso – uma filha rebelde, que pinta o cabelo com a mesma velocidade com que arranja namorados. “Ela tenta seduzir o máximo de rapazes possível e já lhes pediu para terem relações na escola”, conta a colega, farta de se deparar com casos embaraçosos nos sanitários. Também surpreendeu alguns. “Uma vez abri a porta de um compartimento e encontrei uma colega a puxar as calças, o rapaz estava encostado à parede.” Ana perguntou: “O que estavam a fazer?” A resposta da miúda foi o mais desprendida possível: “Nada de jeito!”
Ana revirou os olhos e contou o episódio à irmã da colega, também aluna da escola. “Se calhar estavam a brincar”, comentou a irmã, sem dar sinais de inquietação. Mas se calhar devia ficar preocupada, diz Ana, que classifica muitos rapazes como “taradões”. O falatório à volta de quem faz sexo com quem é tema de conversa nas aulas, conta. Por sua vez, ela sente uma atracção pelo jardineiro e sai-se com tiradas do género: “Tu és bom”, “Meu geladinho, despe a camisola.” Só lamenta que o funcionário não lhe dê atenção.
Nada disto chega aos gabinetes da direcção da escola. Atónito com os factos revelados pela SÁBADO, o director garante não ter conhecimento: “Até os alertamos quando andam muito agarrados no jardim...” No entanto, promete “um acompanhamento mais rigoroso”. E argumenta que o espaço físico – uma vivenda para 580 alunos dos 15 aos 21 anos – não permite estes comportamentos, por ser pequeno e não ter privacidade. “Há sempre gente a passar. Se soubéssemos, teríamos actuado com o conselho de turma, é inaceitável!”
A lei prevê castigos severos, mas raramente são aplicados – porque ninguém vê e ninguém conta. As sanções reforçadas a 12 de Abril em Conselho de Ministros vão da repreensão registada à suspensão até dez dias úteis ou transferência da escola. Nos casos mais graves, o aluno pode ser expulso.
Os miúdos não pensam nisto quando têm jogos de risco. Prever as consequências é coisa de velhos, dizem eles. Interessa mais o momento. “A situação, seguramente pouco frequente, ocorre com jovens com pouco autocontrole e impulsividade em escolas desorganizadas”, diz à SÁBADO o psiquiatra Daniel Sampaio, com 15 livros publicados sobre os problemas da adolescência. No entanto, a SÁBADO não teve muita dificuldade em encontrar vários casos. Nas suas consultas, apenas lhe chegaram três ou quatro relatos de jovens nesta situação. “Digo: ‘Não pode haver coito na escola!’”
Informação não falta, profissionais especializados idem, mas no acto, os miúdos esquecem-se do preservativo – 16% têm este lapso, segundo as últimas estatísticas portuguesas. A explicação é óbvia. “São comportamentos não premeditados, por certo impulsivos. À pressa e às escondidas, é difícil pensar em sexo protegido”, diz Daniel Sampaio, nada surpreendido com o facto de a casa de banho liderar os esconderijos. “É, apesar de tudo, um local com alguma privacidade.”

Atrás do pavilhão de um liceu da zona do Grande Porto, a temperatura sobe – e muito. Sem querer, João presenciou um “filme pornográfico”, como o próprio define, às 161140, entre um casal de 16 anos. Ia a caminho da biblioteca quando se deparou com a cena. Seguiu caminho. “Saí logo, mas a imagem não me saía da cabeça, foi nojento. Fiquei com vontade de vomitar. Como é que alguém é capaz de fazer ‘aquilo’ num sítio público?”, pergunta o aluno de 17 anos. João não denunciou os colegas, nem a direcção imagina o que se passa atrás daqueles muros. “Dou aqui aulas há 16 anos e nunca soube de nada”, responde à SÁBADO o vice-presidente do liceu.
Os amigos de João só souberam seis meses depois. “Contei aos meus colegas em Maio do ano passado.” Mas a curiosidade no tema é proporcional à ignorância. “Uma colega perguntou-me se o sexo oral era falar de sexo. Fiquei espantado.”
Na Escola Poeta Al Berto, em Sines, ninguém gagueja a fazer estas perguntas. A professora de Educação Sexual, Lúcia Ramiro, tem um esquema original para todos levantarem dúvidas à vontade. “Os alunos metem as questões numa caixa, eu levo para casa e respondo em sistema de Powerpoint na aula seguinte.” Quando abre a caixa, é ela quem fica boquiaberta. “Uns perguntam se o pénis tem um osso; outros ficam com medo de urinar a meio da relação.
Antes da primeira vez – “que nunca é igual aos filmes”, lamentam –, as carícias íntimas funcionam como uma espécie de estágio. Andreia tinha 14 anos, o namorado 15, e andavam a explorar o corpo há um mês. “Trocávamos carícias atrás do pavilhão e eram muito provocantes, havia mais casais”, conta. Depois veio o sexo em casa dele, “sem carinho nem paixão”.
Os vigilantes da Escola EB 2+3 de Vialonga, próximo de Lisboa, bem a avisaram para se moderar nas cenas. A ela e a mais três casais entre os 14 e os 17 anos. “Eu era a mais nova.” Nunca passaram à medida disciplinar, porque Andreia tinha atenuantes: era delegada de turma e aluna de nota 5. “O segurança dava uns berros, mas não passava disso. Os alunos com cadastro é que iam ao conselho directivo.” De vez em quando, o grupo encontrava preservativos no relvado das traseiras. “Provavelmente, era dos que estudavam à noite”, suspeita Andreia.
Para Andreia tudo isto era normal, tal como o facto de os miúdos espreitarem as colegas seminuas depois das aulas de Educação Física, quando os vigilantes se afastavam. Numa tarde, ela e o namorado tiveram um encontro secreto nos balneários. “Ele disse: ‘Deixa ver.’ Foi muito rápido porque havia controlo.” A mania de ser rebelde era uma resposta à avó, “beata” assumida, diz, que via o sexo como uma coisa “feia”. Andreia vingou-se a sério: entre os 14 e os 18 anos, contou 12 parceiros sexuais com quem esteve em sítios inesperados: “Na estação de metro, no jardim, no monte...”
A má fama da escola de Vialonga atenuou-se nos últimos anos, garante a professorado conselho directivo Amandina Soares. “Os directores de turma acompanham muito os alunos problemáticos.” Ainda assim, há casos de gravidezes indesejadas. “Mas não conheço comportamentos sexuais no recinto.”
É natural. Os miúdos tentam ocultar estes problemas dos professores e pedem ajuda às linhas de apoio telefónicas. Uma delas, Sexualidade em Linha (808 22 2003), regista que a maior parte das perguntas tem a ver com gravidez indesejada (825 chamadas e 2006). Muitas miúdas nestas circunstâncias consultam a obstetra Madalena Lourinhol, no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa. “Chegam muito ansiosas e perdem a libido.” Porque no fundo, no fundo, ainda têm um denominador comum às avós: “Para elas um beijo bem dado é melhor que o sexo.”
Mas a pressão dos videoclips de conotação erótica – com Shakiras e afins –, as coreografias ousadas, a somar à Internet e às revistas, empurram para a sexualidade. “O crescimento das raparigas é precoce: antes tinham a menstruação aos 12, 13 anos, agora têm aos 10, 11. Não sei explicar o fenómeno”, confessa a sexóloga Cristina Pablo.

Apalpões, gestos ou piadas obscenas são banais nos liceus. “Cerca de 19,5% dos alunos portugueses dizem já ter sido alvo destes comportamentos e 14,3% assumem que o fizeram aos colegas”, diz a investigadora Susana Carvalhosa, a preparar um doutoramento sobre Bullying na Escola (ou seja, violência psicológica regular e persistente) para a Universidade, de Bergen, na Noruega. Os últimos balanços da PSP vão neste sentido: em 2006, registaram-se 58 casos de ofensas sexuais em recintos escolares, mais 13,7% do que no ano anterior.
Mais grave é quando as imagens de teor sexual chegam à Internet – o cyberbullying. Os alunos filmam com o telemóvel as colegas em actos sexuais no recreio ou em balneários. Depois, colocam as imagens na rede. Vídeos que roçam a pornografia, não consentidos pelas vítimas, entre os 12 e os 15 anos, são a nova violência psicológica. Às vítimas, Daniel Sampaio sugere medidas drásticas: “Devem pedir ajuda, denunciar o agressor, ser protegidas e acompanhadas por um psicólogo. Os pais devem apresentar queixa ao conselho directivo.”
Num liceu de Espinho, o pior são as ofensas verbais. “Tu, vai é para trás do pavilhão fazer-me um b...”, balbuciou um miúdo de 15 anos, na fila do bar, porque queria ser atendido primeiro. A rapariga corou, saiu do recinto e a auxiliar teve de intervir: “O que é que disseste?” Resposta do miúdo: “Quem é você para me chamar à atenção? Ela até gosta...” Indignada, a auxiliar fez queixa do aluno. Mas também já viu um casal a praticar sexo e ficou calada. “Porque temia represálias. Os alunos são problemáticos”, diz. E fez “muito mal”, critica Daniel Sampaio. A empregada devia ter denunciado o caso e, se as coisas se agravassem, pedir protecção policial.
Uma rapariga de 14 anos e um rapaz de 17 estavam a ter relações sexuais num canto do recreio. “Quando os vi, fiquei atrapalhada e fui chamar o porteiro”. Metido ao assunto, o colega interrompeu a brincadeira com um berro. “Ó rapaz, o que estás a fazer?”, gritou, enquanto a auxiliar sussurrava: “Vistam-se, vistam-se! Rápido.” Ela fugiu, ele puxou as boxers e desfez-se em desculpas. “Chega o momento e a gente não pensa”, justificou-se sobre o facto de não usar preservativo. Depois do episódio, a miúda andou a evitar a funcionária durante um ano. Só em 2006 conseguiu enfrentá-la e, claro está, ouviu um sermão. “E se ficasses grávida?”, repreendeu-a a empregada. De facto, o período menstrual atrasou-se e a aluna temia o pior. Felizmente, foi falso alarme. “Entretanto, arranjou outro namorado e pediu-me conselhos.”
Estes problemas parecem ficar à margem do Ministério da Educação. Depois de insistentes tentativas para obter um comentário sobre o assunto, o assessor da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, Rui Nunes, limita-se a fazer três perguntas à SÁBADO. “Mas porque é que vocês não fazem um artigo sobre atentados ao pudor no autocarro ou no cinema? Não percebo. Têm estatísticas sobre isso? Quantos testemunhos recolheram, mil?”

Nota: Os autores dos depoimentos têm nomes fictícios