quinta-feira, 5 de julho de 2007

* Mudar o futuro



A responsabilidade sexual

Na tradição budista, fala-se da unidade do corpo e do espírito. Tudo o que sucede ao corpo, sucede também ao espírito. A saúde do corpo é a saúde do espírito; a falta de respeito pelo corpo é falta de respeito pelo espírito. Quando sentimos cólera, poder-se-ia dizer que esta se situa ao nível das nossas emoções e não no nosso corpo, mas não é verdade. Quando amamos alguém, queremos estar perto dessa pessoa, mas se sentimos cólera em relação a ela, não queremos tocá-la nem queremos que ela nos toque. Não se pode dizer que o corpo e o espírito estejam separados.

Uma relação sexual é um acto de comunhão entre o corpo e o espírito. É um encontro muito importante que não deve ser considerado de forma leviana. Vocês sabem que existem zonas íntimas na vossa alma – recordações, dor, segredos – que não gostam de partilhar a não ser com a pessoa que mais amam, aquela em que mais confiam. Vocês não abrem o coração a qualquer um. Na Cidade Imperial, há um lugar que se chama a “Cidade Proibida”, à qual apenas o imperador e a sua família têm acesso. Existe um lugar semelhante na vossa alma do qual ninguém se aproxima a não ser aquele(a) que vocês mais amam.

O mesmo acontece com o nosso corpo. Há lugares do nosso corpo de que não deixamos ninguém aproximar-se, a não ser aqueles que respeitamos e amamos, aqueles em que depositamos total confiança. Quando nos tratam com desenvoltura ou negligência, sem nenhuma ternura, sentimo-nos insultados no nosso corpo e na nossa alma. Alguém que nos considera com respeito, ternura e solicitude, oferece-nos uma comunicação profunda, uma profunda comunhão. É a única forma de não nos sentirmos magoados, explorados ou que abusaram de nós, ainda que ligeiramente. Mas para que tal aconteça, é preciso que o amor e o compromisso sejam verdadeiros. Uma aventura sexual não é amor. O amor é profundo, belo, inteiro. Nas relações sexuais, o respeito é um dos elementos mais importantes. A comunhão sexual deveria ser como um rito, um ritual cumprido com plena consciência, com respeito, atenção e amor. Se existe apenas desejo, não se trata de amor. O amor é muito mais responsável. No amor, há a preocupação com o outro.

O verdadeiro amor implica sentido das responsabilidades e a aceitação do outro tal como ele é, com as suas qualidades e as suas fraquezas. Se amarmos apenas o lado bom de uma pessoa, isso não é amor. Devemos aceitar as suas fraquezas e dar provas de paciência, de compreensão e de energia para a ajudar a transformá-las. O amor é maitri, a capacidade de transmitir alegria e felicidade, e karuna, a capacidade de transformar a dor e o sofrimento. Este tipo de amor só pode fazer bem. Não é nem negativo nem destruidor. É seguro e tudo garante.

Um “compromisso de curta duração” significa que se pode estar juntos durante alguns dias mas a relação terminará em seguida. Não se pode dizer que seja amor ou que este tipo de relação se baseie no amor. A expressão “compromisso de longa duração” ajuda-nos a compreender a palavra “amor”. No contexto do verdadeiro amor, o compromisso só pode ser de longa duração. “Quero amar-te. Quero ajudar-te. Quero tomar conta de ti. Quero que sejas feliz. Quero contribuir para a tua felicidade. Mas apenas por alguns dias.” Será que isto faz algum sentido?

Vocês têm medo de se comprometerem – seja em relação aos princípios, ao vosso companheiro ou a qualquer outra coisa. Vocês querem a liberdade. Mas, enquanto pertencerem a este mundo, lembrem-se de que devem assumir um compromisso de longa duração se querem realmente amar o vosso filho e ajudá-lo na viagem da vida. Vocês não podem dizer: “Já não te amo”. Com um amigo que vos é caro, também assumem um compromisso de longa duração. Vocês precisam dele. Ora, isso é bem mais verdadeiro quando se trata da pessoa que quer partilhar a vossa vida, a vossa alma e o vosso corpo.

O amor pode ser uma forma de doença. Tanto no Ocidente como na Ásia, temos a expressão “mal de amor”. O que nos torna doentes é o apego. Este tipo de amor, mesclado de apego, é como uma droga. No início, tudo parece maravilhoso mas, uma vez viciados, nunca mais encontramos paz. Não conseguimos estudar, trabalhar ou dormir. O objecto do nosso amor ocupa todos os nossos pensamentos. Conhecemos o “mal de amor”. Este tipo de doença está ligado à nossa vontade de possuir e de monopolizar. Gostaríamos que o objecto do nosso amor fosse todo nosso e apenas nosso. Trata-se de totalitarismo. Não permitimos que ninguém nos impeça de estar com o nosso bem‑amado. Esta forma de amor é semelhante a uma prisão onde enclausuramos o nosso bem‑amado, causando-lhe, assim, bastante sofrimento. O ser amado vê‑se privado de liberdade – do direito de ser ele próprio e de apreciar a vida. Este tipo de amor não é nem maitri nem karuna; apenas a vontade de utilizar alguém para satisfazer as nossas próprias necessidades pessoais.

Nas relações sexuais podem existir feridas. Uma atitude responsável evita essas feridas, a nós mesmos e aos outros. Cremos, frequentemente, que apenas as mulheres podem ser feridas, mas isso acontece igualmente com os homens. É necessário estar muito vigilante, sobretudo nos compromissos de curta duração.

Na nossa sociedade, o sentimento de solidão é universal. Não há comunicação entre nós e os outros, mesmo no seio da nossa família, e o nosso sentimento de solidão leva-nos a ter relações sexuais. Acreditamos, ingenuamente, que assim nos sentiremos menos sozinhos, mas isso não é verdade. Se não há comunicação suficiente com o nosso companheiro, a nível do coração e do espírito, uma mera relação sexual apenas alargará o fosso entre nós e destruir‑nos‑á aos dois. Será uma relação tempestuosa e causaremos sofrimentos mútuos. Acreditar que uma relação sexual vai ajudar‑nos a sentir‑nos menos sós é uma forma de superstição. Não caiamos nessa armadilha porque nos sentiremos ainda mais sós depois.

A união de dois corpos só poderá ser positiva se houver compreensão e comunhão a nível do coração e do espírito. Mesmo entre marido e mulher, se não houver comunhão a nível do coração e do espírito, a união dos vossos dois corpos apenas vos separará mais.

Em vietnamita, existem duas palavras para significar amor: tinh e nghiã, que são muito difíceis de traduzir. Tinh implica uma enorme paixão. Nghiã é uma espécie de continuação de tinh. Em nghiã há mais calma, compreensão e confiança. Vocês estão prontos a fazer sacrifícios para tornar o outro feliz. Não há tanta paixão mas o vosso amor é mais profundo e mais sólido. Nghiã far‑vos‑á ficar juntos por muito tempo. É o resultado das dificuldades e das alegrias partilhadas durante um longo período.

Começa-se pela paixão, depois aprende‑se a enfrentar as dificuldades da vida em comum e o vosso amor aprofunda‑se. A paixão diminui mas nghiã não pára de aumentar. Nghiã é um amor mais profundo, com mais sabedoria, mais comunhão entre os seres, mais unidade. Vocês compreendem melhor o vosso companheiro. Os dois tornam‑se uma realidade. Nghiã é como um fruto maduro. Já não contém acidez, apenas doçura.

Quando vivemos com alguém, apoiamo‑nos mutuamente. Começamos a compreender as emoções e as dificuldades do outro. Quando o outro mostra que compreende os nossos problemas, as nossas dificuldades e as nossas aspirações profundas, ficamos-lhe reconhecidos por essa compreensão. Logo que nos sentimos compreendidos, deixamos de estar infelizes. A felicidade é, antes de tudo, sentir-se compreendido. “Estou-te reconhecido(a) porque mostraste que me tinhas compreendido. Quando passei dificuldades e fiquei acordado(a) até tarde, de noite, tomaste conta de mim. Mostraste-me que o meu bem‑estar era também o teu bem‑estar. Fizeste o impossível para me ajudar a melhorar. Tomaste conta de mim como mais ninguém no mundo poderia tê-lo feito. Por isso estou-te muito reconhecido(a).”

Se um casal fica junto muito tempo “até que os nossos cabelos se tornem brancos e os nossos dentes caiam”, é por causa de nghiã e não de tinh. Tinh é o amor‑paixão. Nghiã é um amor que contém muita compreensão e gratidão.

Todo o amor pode começar pela paixão, sobretudo nos jovens. Mas a partir do momento em que duas pessoas vivem juntas, é preciso aprender e praticar o amor de tal forma que o egoísmo – a tendência para a posse – diminua e os elementos da compreensão e da gratidão se instalem pouco a pouco até que o amor os consiga alimentar e proteger. Com nghiã, vocês estão certos de que o outro vai amar-vos e tomar conta de vós, “até que os vossos cabelos se tornem brancos e os vossos dentes caiam”. Nghiã constrói-se a dois, na vida quotidiana.

Por vezes, pensamos amar alguém mas este amor não passa de uma tentativa de satisfazer as nossas necessidades egocêntricas. Talvez não tenhamos olhado com a profundidade necessária para vermos as necessidades do outro, incluindo a sua necessidade de segurança e de se sentir protegido. Se tomarmos consciência disso, veremos que o outro tem necessidade da nossa protecção e que, consequentemente, não podemos considerá-lo um simples objecto do nosso desejo.

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