terça-feira, 24 de julho de 2007

As falácias do amor e do sexo

Louis Pauwels
Aprendizagem da serenidade
Lisbo/São Paulo, Verbo, 1979
excertos




Proponho duas regras capitais:

lutar contra o abuso da palavra «amor»;
lutar contra o abuso do sexo.
Sendo a lucidez uma condição da posse de si, aumentaremos ambas em grande medida:

1. Não pondo o amor onde ele nada tem que fazer.
2. Não pondo o sexo onde ele nada tem que fazer.

Estas duas propostas opõem-se à nossa época que emprega exageradamente a palavra «amor», e põe sexo por toda a parte. Mas um homem que tem a preocupação da sua dignidade e da sua liberdade íntimas serve-se da sua época como de tudo o mais neste mundo: escolhe. Aceita da sua época aquilo que o eleva, e rejeita o que o rebaixaria. Ele é contemporâneo, mas com precaução e distância.

O homem — ou a mulher — que vê as coisas como elas são considera o fanatismo do amor, tão espalhado nas nossas maneiras de ser (e sobretudo de dizer), como uma imensa mentira. Só há um amor absoluto: aquele que nos levaria a dar, sem a mínima hesitação, a nossa vida.
O homem — ou a mulher — que compreendeu isto é objecto de uma profunda conversão. A conversão à linguagem autêntica do coração e dos sentidos. Ele — ou ela — deixa de abusar da palavra «amor».
A realidade, a honestidade, a liberdade, instalam-se na nossa vida sentimental quando temos a coragem de substituir a palavra «amor» pelas expressões exactas das nossas inclinações e dos nossos apegos. Que revolução do discurso e, logo, dos costumes, e quantas dores evitadas, se substituíssemos esta palavra oca pelos seus sinónimos plenos! Mágoas e cadeias por se ter chamado amor ao desejo. Duas vidas despedaçadas por terem pronunciado esta grande palavra devoradora quando só se tratava dos sentidos e de simpatia. O medo da solidão e a necessidade de ternura, postos na conta do amor. Dar o nome de amor louco a uma loucura de posse. Confundir o amor com o prazer dos hábitos a dois. E, a partir daqui, as tragédias do ciúme.
É verdade que o amor existe. Mas é raro. Tão raro como a santidade ou o génio. Não aviltemos o seu nome.
Quem pode dizer: faço-te dádiva de mim? Quem está suficientemente presente a si, para fazer dádiva de si?
E, enfim, há apenas um amor puro: querer a felicidade de um ser, quando já não se está preso seja ao que for. Não ter medo de viver nem medo de morrer, não sofrer de qualquer privação, bastar-se a si próprio. E juntar-se a alguém na vida desejando o seu bem. Há apenas um amor sereno: quando já nada nem ninguém pode perturbar a minha serenidade.
A literatura diz que o amor se forma independente da nossa vontade. Isso é verdade na inexistência. Mas a existência começa com o não-apego. E aquele que compreendeu isto compreendeu que não há amor sem vontade do amor. Tudo o resto é, de facto, literatura.
Vivemos numa sociedade que, por interesse mercantil e rebaixamento do sentido da dignidade, suscita não a liberdade sexual, mas o abuso do sexo. O abuso do sexo é a violação de fronteiras entre os centros vitais do homem: o cérebro, o coração, o sexo. É a mistura monstruosa: o sexo sobe ao coração, o espírito desce para o meio das pernas, todas as energias se confundem degradando-se mutuamente; toda a existência é vivida como um constante alerta de invasões vertiginosas.
Se procedermos de modo a que o sexo funcione com a sua energia própria, restituímo-lo à sua dignidade. A virtude não está no medo ou na privação do sexo. Está no sexo reposto no seu lugar. Se restituirmos à sexualidade a sua autonomia, restituímos do mesmo passo a sua dignidade às nossas emoções e aos nossos pensamentos. Trepamos um degrau do ser. Torna-se-nos possível pensar com pensamento e aceder a emoções superiores. Mas é preciso ver que tudo conspira para no-lo impedir. A confusão romântica gerada pela nossa velha cultura. E a «erotização» da sociedade actual. Esta «erotização» não reabilita o Eros no homem. Pelo contrário, ela abandona a energia sexual à pilhagem e reduz as nossas outras energias à escravidão do sexo.

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